TÉCNICAS DE ANÁLISE DE CONJUNTURA
Tópicos de discussão
- O que é análise de conjuntura?
- A importância da conjuntura para a construção de cenários
- Categorias para análise de conjuntura
- Guia prático para fazer análise de conjuntura
- Não basta apenas estar com a leitura dos jornais em dia para entender o que está ocorrendo.
- No volume de informações que é veiculado todos os dias é necessário identificar os ingredientes, os atores, os interesses em jogo.
- Fazer isso é fazer análise de conjuntura.
- A todo o momento, sabendo ou não, fazemos “análises” de conjuntura em relação às mais variadas situações de nosso dia a dia, em função das quais tomamos nossas decisões:
– Para sair de casa (o tempo, o trânsito, o ambiente);
– Para escolher uma carreira ou profissão (mercado de trabalho, satisfação pessoal, aptidões);
– Para aceitar ou sair de um emprego;
– Para casar;
– Para disputar uma eleição.
Tomamos nossas decisões baseados em uma avaliação da situação vista sob a ótica do nosso interesse ou necessidade.
- Nessas decisões levamos em conta:
– as informações que temos
– buscamos nos informar
– avaliamos as possibilidades
– fazemos hipóteses do desenvolvimento dos fatos
– das reações possíveis das pessoas ou dos grupos
– medimos a “força” ou o perigo de nossos eventuais “inimigos”
- A partir desse conjunto de informações e avaliações tomamos nossas decisões
O que é conjuntura?
- Combinação ou concorrência de acontecimentos ou circunstâncias num dado momento.
- Conjunção de elementos de que depende, num dado momento, a situação política, econômica, social, etc. dum país ou de um grupo de países ou de uma região.
- Uma configuração dada, definida num tempo curto.
- A análise de conjuntura é uma mistura de conhecimento e descoberta, é uma leitura especial da realidade e que se faz sempre em função de alguma necessidade ou interesse.
- Não há análise de conjuntura neutra, desinteressada: ela pode ser objetiva mas estará sempre relacionada a uma determinada visão do sentido e do rumo dos acontecimentos.
- A análise de conjuntura é não somente parte da política com é si mesma um ato político.
- Faz análise política quem faz política, mesmo sem saber.
- Exemplo: quando um analista de RI vai a um programa de TV analisar as eleições americanas ele omite opiniões que podem influir a opinião pública sobre tal ou qual candidato.
- Análise de conjuntura é uma tarefa complexa, difícil e que exige não somente um conhecimento detalhado de todos os elementos julgados importantes e disponíveis de uma situação determinada, como exige capacidade de perceber, compreender, descobrir sentidos, relações, tendências a partir dos dados e das informações.
Categorias para análise de conjuntura
- Para fazer análise de conjuntura são necessárias algumas ferramentas próprias para isso.
– São necessárias definir algumas categorias de análise.
– É preciso ter um método de análise
- Articulação (relação) entre “estrutura” e “conjuntura”.
- Outras indicações que se deve levar em conta na análise de conjuntura
- Na vida real acontecem milhares de fatos todos os dias em todas as partes mas somente alguns desses fatos são considerados como acontecimentos.
- Acontecimentos são fatos que adquirem um sentido especial para um país, uma classe social, um grupo social ou uma pessoa.
- Existem ocorrência que se constituem em “acontecimentos”, tais como greves gerais, eleições presidenciais, guerras, catástrofes, descobertas científicas de grande alcance.
- Essas ocorrências por sua dimensão e seus efeitos afetam o destino e a vida de milhões de pessoas, da sociedade em seu conjunto.
– Exemplo: O fracasso da Rodada de Doha pode ser considerado um “acontecimento” dadas as repercussões futuras que terá nas relações internacionais de comércio nos próximos anos.
- Na análise de conjuntura o importante é analisar os acontecimentos, sabendo distinguir fato de acontecimento e, depois, distinguir os acontecimentos segundo sua ordem de importância.
- Essa importância e peso são sempre relativos e dependem da ótica de quem analisa a conjuntura, pois ela pode ser ótima para uns e péssima para outros.
- Identificar os principais acontecimentos num determinado momento, ou período de tempo, é um passo fundamental para se caracterizar e analisar uma conjuntura.
Palco dos acontecimentos
- As ações da trama social e política se desenvolvem em determinados espaços que podem ser considerados como o palco dos acontecimentos.
- O palco de um conflito pode se deslocar de acordo com o desenvolvimento da luta: passar das ruas e praças para o parlamento, daí para os gabinetes ministeriais e daí para os bastidores.
- O palco dos acontecimentos influenciam o desenvolvido das lutas sociais; a simples mudança de palco já é uma indicação importante de uma mudança no processo.
- A capacidade de definir o palco dos acontecimentos onde as lutas vão se dar é um fator de vantagem importante.
Atores
- O ator é alguém que representa, que encarna um papel dentro de um enredo, de uma trama de relações.
- Um determinado indivíduo é um ator social quando ele representa algo para a sociedade (para o grupo, a classe, o país), encarna uma idéia, uma reivindicação, um projeto, uma promessa, uma denúncia.
- Uma classe social, uma categoria social, um grupo social, um país ou grupo de países podem ser atores sociais.
- Instituições também podem ser atores sociais
Relações de Forças
- As classes sociais, os grupos de pessoas, empresas, países, enfim, os diferentes grupos sociais estão em relação uns com os outros.
- Essas relações podem ser de confronto, de coexistência, de cooperação e estão sempre revelando uma relação de força, de domínio, igualdade ou de subordinação.
- Avaliar essa relação de forças é decisivo se se quer tirar conseqüências práticas da análise de conjuntura.
Relação entre “estrutura” e “conjuntura”.
- Estrutura é o conjunto de elementos estáveis que presidem a organização da sociedade, da economia e da política, que lhe dão uma forma, uma ordem e uma estabilidade.
- Os acontecimentos, a ação desenvolvida pelos atores sociais, gerando uma situação, definindo uma conjuntura, não se dão no vazio; eles se relacionam com a história, com o passado, com relações sociais, econômicas e políticas estabelecidas ao longo de um processo mais longo.
Outras indicações que se deve levar em conta na análise de conjuntura
- Perceber o conjunto de forças e problemas que estão por detrás dos acontecimentos; para se extrair o “sentido” dos acontecimentos é preciso compreender seu pano de fundo, que nem sempre está claro.
- Tão importante quando entender o que já está acontecendo é estar atendo aos sinais dos fenômenos novos que começam a se manifestar.
- É importante buscar o “fio condutor” dos acontecimentos. É fundamental pesquisar o encadeamento, a lógica, as articulações, os sentidos comuns dos acontecimentos.
- Existem duas leituras possíveis dos acontecimentos ou dois modos de ler a conjuntura:
– A partir da situação ou do ponto de vista do poder dominante (a lógica do poder).
– A partir do ponto de vista ou do ponto de vista dos movimentos populares, das classes subordinadas, da oposição ao poder dominante.
- De modo geral as análises de conjunturas são conservadoras: sua finalidade é reordenar os elementos da realidade, da situação dominante, para manter o funcionamento do sistema (correção de rota).
- Partir do ponto de vista de quem questiona o status quo não é “inventar” situações, acontecimentos e correlações de força que satisfaçam a imaginação de analistas interessados, mas percebe-los a partir da ótica dos interesses das classes subordinadas, dado que toda análise de conjuntura só adquire sentido quando é usada como um elemento de transformação da realidade.
- A análise de conjuntura de modo geral é uma análise interessada em produzir um tipo de intervenção política; é um elemento fundamental na organização da política, na definição de estratégias e táticas das diversas forças sociais em luta.
- Uma questão chave na análise de conjuntura é a percepção da complexidade e da dificuldade em determinar relações de causalidade de tipo unilinear, simples. Existe um elemento constante de imprevisibilidade em relação à ação política.
Guia prático para fazer análise de conjuntura
- 1º passo: identificar fatos e acontecimentos
– A partir da leitura diária dos jornais e revistas (impressos ou eletrônicos) captar as notícias relacionadas com o tema em estudo que se tornaram manchete na imprensa (recortar ou imprimir).
– Ler atentamente as matérias procurando identificar:
- Os fatos mais importantes (nem sempre o título da matéria revela o fato mais relevante; é preciso “ler nas entrelinhas”).
- Os principais atores em questão (países, governos, instituições, pessoas).
– Ordenar os fatos por ordem de importância, distinguindo “fatos” de “acontecimentos”, registrando-os na planilha 1.
– Arquivar o material original em uma pasta temporária, para eventuais consultas posteriores.
- 2º passo: relacionar fatos e acontecimentos
– Na medida em que a planilha for sendo preenchida, verificar se há correlação de causalidade entre os fatos e registrar tais correlaçoes por meio de setas. Nas análises sociais, a grande dificuldade é identificar corretamente a relação e a correlação entre causa e efeito. Como distinguir corretamente o que é causa e o que efeito de determinadas conjunturas e estruturas socais.
– Exemplo:
- Num caso hipotético onde o objeto de estudo é a China, registra-se no D1 que houve eleições em Taiwan que foram vencidas por um partido nacionalista pró-China.
- No D2 registra-se que houve manifestações separatistas no Tibet.
- No D3 registra-se que a China quer fazer dos Jogos de Pequim a vitrine da China moderna.
- No D4 registra-se que o Congresso dos EUA quer aprovar uma tarifa de importação sobre os produtos chineses para compensar uma taxa de câmbio supostamente desvalorizada.
- Estes fatos podem estar correlacionados, ou não.
- 3º passo: relacionar conjuntura e estrutura
– Na medida em a conjuntura for sendo identificada, é necessário que o cenarista tenha bem claro a distinção entre conjuntura e estrutura de forma a:
- Perceber o conjunto de forças e problemas que estão por trás dos acontecimentos de modo a identificar o “sentido” dos acontecimentos e o pano de fundo no qual se desenrola determinada ação.
– No caso do exemplo anterior, o pano de fundo pode a preocupação dos Estados Unidos e demais potencias do Ocidente com a ascensão econômica da China e com a possibilidade da China vir a dominar o cenário econômico mundial, desafiando a hegemonia americana.
- 4º passo: identificar os palcos dos acontecimentos
– É preciso olhar os palcos dos acontecimentos: espaços sociais, lugares, onde estão ocorrendo os acontecimentos: se é no Congresso, no Executivo, na sociedade civil; se é numa cidade, região, no país como um todo, ou na esfera internacional
- O palco dos dos acontecimentos podem se alterar rapidamente alterando completamente o sentido e o rumo dos acontecimentos.
- Exemplos:
– Uma operação da política federal desencadeada supostamente para investigar ações ilícitas de um empresário transformou-se num evento político nacional pondo em confronto os poderes legislativo, executivo e judiciário.
– As manifestações pró independência do Tibet ganharam uma nova dimensão internacional com as Olimpíadas de Pequim.
- 5º passo: identificar os atores
– É preciso identificar corretamente os agentes sociais, políticos e econômicos que estão agindo e interagindo. Quem são esses agentes? São pessoas individuais, grupos organizados, movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, os meios de comunicação, grupos econômicos nacionais, internacionais, países, blocos de países?
– A identificação correta das forças que estão por trás dos fatos e acontecimentos é um elemento fundamental na análise de conjuntura, pois a partir dessa identificação podemos identificar corretamente o “sentido” dos acontecimentos.
- 6º passo: identificar a correlação de forças
– A correta avaliação da correlação de forças é decisiva para se tirar conseqüências práticas da análise de conjuntura.
– No caso específico da construção de cenários prospectivos é preciso estar atento para fatos, acontecimentos e novos atores, que mesmo estando numa situação de pouca evidência no momento da análise, podem representar “fatos portadores de futuro” que são elementos fundamentais para a construção de cenários.
– Exemplo: pelos dados atuais, o uso da biomassa com alternativa energética ao petróleo, tem uma importância quase insignificante; isso não quer dizer, entretanto, que dentro de dez ou vinte anos essa correlação não se altere e a biomassa se torna numa alternativa de peso para a geração de energia.
- 7º passo: identificar os “fatos portadores de futuro”
– A análise de conjuntura é sempre realizada com algum propósito. Usualmente, seu propósito é o de orientar a ação política prática, seja num sentido conversador (correções de rota), seja num sentido transformador (definir um nova rota).
– No caso específico deste curso nosso propósito é o projetar cenários futuros. Nesse sentido, a análise de conjuntura deverá permitir:
A análise da conjuntura atual deverá permitir:
- i) a identificação da situação no momento inicial do estudo
- ii) a visão clara das principais variáveis e dos indicadores
- iii) a identificação dos atores e a compreensão de seus respectivos papéis
- iv) a tabulação das principais informações
- v) a identificação de rupturas
- vi) a identificação de fatos portadores de futuro
- vii) o refinamento dos limites da dimensão em estudo
- 8º passo: identificar os “fatos portadores de futuro”
– No caso específico deste curso a identificação dos “fatos portadores de futuro” é a questão mais importante, pois será a partir desses fatos que os cenaristas definirão os eventos e formularão as questões a serem submetidas ao painel de especialistas com o propósito de definir os cenários prospectivos.
– A identificação incompleta ou deficiente dos “fatos portadores de futuro” levará à construção de cenários equivocados e irrelevantes do ponto de vista da definição de estratégias.
- SOUZA, H. J. (Betinho). Como se faz análise de conjuntura. 26ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.